segunda-feira, 14 de abril de 2014

DIEGO ABELARDO APRESENTA O PROJETO AGNOSTIC ORCHESTRA NO FESTIVAL KINO BEAT

O projeto Agnostic Orchestra Vol. 1 – Fragmentos do 8, de Diego Aberlardo, mistura samples e instrumentos em uma contradição de estudo e experimentação - que levou oito anos para ser concluído.  O resultado é complexo.

A música eletrônica acrescenta muito na criatividade e possibilita recursos infinitos para a criação de qualquer gênero musical,  mas ainda é preciso um ser humano para controlar a máquina, e isso faz toda a diferença no resultado final. Digo que valorizo quem faz, não como faz“, comenta Abelardo.

Para entender melhor, confira nossa entrevista. E prepare-se para o Festival Kino Beat.

Como surgiu a ideia do projeto Agnostic Orchestra?
Eu já vinha experimentando sons desde 2003, calcado diretamente na intenção de produzir instrumentais de rap; os famosos “beats”. Até 2006 já tinha, de certa forma, compreendido a concepção de produção eletrônica neste campo; partindo apenas de samples e loops de bateria com variações simples, sem nenhum conhecimento musical formal, mas de total empenho na pesquisa de sonoridade.
No mesmo ano, decidi começar a estudar música formalmente e, consequentemente, me veio a ideia de registrar esse processo de desenvolvimento artístico e técnico.

O nome Agnostic Orchestra veio para ilustrar - como uma brincadeira entre orquestras religiosas e o sentido vulgar de agnosticismo ser o meio termo da fé – onde eu, buscaria um compromisso com a musicalidade, mas sempre mantendo o experimentalismo, que me fora a raiz inicial na música.

Quais foram as principais inspirações para o projeto?
O álbum Coisas, do maestro Moacir Santos, onde cada música leva o título de Coisa (com seu respectivo número), foi a inspiração principal para eu organizar o projeto em Fragmentos. Musicalmente passo longe da concepção do maestro, mas vejo a inspiração para além de uma fidelidade musical.

O jazzista/pianista Sun-ra, vindo lá de Saturno, me deu tranquilidade nos momentos em que a musicalidade parecia se perder em fluxos de consciência através de meus improvisos pouco técnicos. A liberdade que ele teve de se colocar como um músico de outro planeta, me incentivou a livre criação e desenvolvimento de uma linguagem própria, mesmo que não convencional.

A pianista Carla Bley também foi de muita importância para a composição dos fragmentos. Sua relação síntese rítmica; o minimalismo “malandro” em seus arranjos, me sugeriram muitas ideias que se concretizaram em Fragmentos ou não.

Madlib foi o cara que me deu a ideia da mixagem, das texturas; das sujeiras no som. É dele que vem a experimentação e mistura de samples com gravações próprias: O processo eletroacústico focado em timbre e ritmo urbano contemporâneo.

O projeto enxerga a música como uma fórmula matemática perfeita. Como o experimentalismo se encaixa neste contexto?
Toda a música gravada é uma fórmula matemática perfeita, se pensarmos em disco de vinil, tape ou computador – os acertos matemáticos estão presentes.
Quando apresento cada um dos Fragmentos seguidos de um número simples divisível por 8, não compreendo a matemática como o cerne do trabalho, apenas relaciono a questão de organização musical de cada um desses fragmentos, pois, pensando em teoria musical; todos os Fragmentos foram compostos em compasso 4/4 e, a progressão de evolução e retorno harmônico se baseia em 8 compassos que se repetem até o final; não apresento um tema melódico que evolua para algum outro ponto – podemos dizer que os fragmentos não saem do lugar, são redundantes sozinhos, um ciclo infinito de pequenos motivos livres.   
A experimentação se apresenta como ruptura, como intervenção de aceitação do imperfeito nesta organização precisa do plano eletrônico.

O projeto não tem um tema definido, fica a critério do público a interpretação. Mas no processo criativo, o que foi levado em consideração?
Tudo que me fizesse sentido, o que me parecesse verdadeiro. As influencias externas tiveram um papel fundamental nos 8 anos de realização.
O processo foi guiado por mudanças de espírito/temperamento, descobertas em leituras, no cinema e, no trato com as pessoas no trabalho de professor de música. É difícil explicar o processo criativo, pois ele não é linear, mas posso brincar dizendo que “a natureza ama ocultar-se”.

As declamações na música são fragmentos de uma obra pronta ou criações próprias?
Tudo, do pouco que é dito, é amostra de algum lugar. De filme, entrevista, disco...
São coisas que apareceram durante o processo e bem se fazem como referência direta, por exemplo:
No Fragmento 16 , o piano elétrico, que segue toda a música como um remix, é uma amostra extraída da pianista e harpista Alice Coltrane, da música Om Supreme, do álbum Eternity (1975). Na introdução temos alguns sons dispersos que são do álbum Om (1965), de John Coltrane, mixados a um poema recitado de Torquato Neto (Marcha à Revisão - terceira parte(3-PS)), que foi extraído do extinto programa de reportagens Documento Especial: Torquato Neto, O Anjo Torto da Tropicália – 1992. E no final  temos a fala emblemática de Walter Franco em entrevista ao programa Provocações.

Posso dizer que me aproprio dessas amostras ou, que elas se apropriam do que faço. Neste exemplo citado, a relação entre as personalidades aconteceu sem uma prévia intenção, simplesmente eles se juntaram pelo processo criativo. Em outros casos fui mais pontual, por exemplo no Fragmento 40, em que o trecho inicial foi extraído do filme Oldboy (Chan-wook Park - 2003) e a música se desenvolveu a partir desta amostra. No Fragmento 48 onde o trecho final foi extraído do filme Terra em Transe (Glauber Rocha - 1967) e a música foi concluída.

O que o Agnostic Orchestra se propõe em apresentar para o público?
Humildemente; um espetáculo autoral poético e musical dinâmico – intercalado entre poemas, canções e temas instrumentais.  Muita coisa será improvisada, enquanto outras; severas em seu arranjo.

O projeto traz ineditismo nas performances ao vivo?
Toda performance é inédita, mas em relação a estrutura de palco e interações, intervenções e intenções artísticas; não vejo nada do que proponho como “nunca feito”,  prefiro a ideia do não convencional.

A música eletrônica abre espaço para o experimentalismo. O que isso acrescenta ao processo criativo e ao resultado final?
O envolvimento com a arte em geral, tendo uma intenção clara ou confusa, é que vai definir o nível de experimentação, e seu valor no resultado final. Vai de cada um, de cada conceito, de cada interesse com aquilo que se faz. Podemos pensar que; o que para alguns é fracasso, para outros é um caminho ou, talvez apenas o sinal de um caminho.

No meu caso, a música eletrônica veio como a solução dos meus anseios criativos – do querer fazer música, mesmo sem saber – seguindo a intuição, a experimentação, pesquisa; buscando uma sonoridade própria que pudesse me satisfazer.


A música eletrônica acrescenta muito na criatividade e possibilita recursos infinitos para a criação de qualquer gênero musical,  mas ainda é preciso um ser humano para controlar a máquina, e isso faz toda a diferença no resultado final. Digo que valorizo quem faz, não como faz.

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